Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Alçar… *da beira do precipício*

E se às vezes eu não souber de tudo?
Se mesmo tentando, eu nem puder fingir?
Se certas horas, perder forças e palavras?
Se, tão incerto, eu me esquecer de sorrir?

Me ajuda a lembrar?
Me faz esquecer?
Me ensina a lutar?

Não…
Nunca foi meu papel, te levar nas costas.
Mas eu lambo as suas feridas.

Vai ao menos entender?

Sim.
Todos podemos fraquejar.
Mas não nos deixar abater.

Todos temos asas…
… só nos falta ver.


wings, de ~johnfuller no deviantART.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

… aguçado

Dedos, lábios, dentes, língua… às vezes ela esquecia o quê exatamente a tocava, ou, de olhos vendados, se perdia tentando entender. Cada deslize entreabria-lhe os lábios e um suspiro, teimoso, deixava-se fugir por eles.

A manhã esgueirava-se janela adentro e cobria-a com aquele calor de céu azul de primavera, enquanto todos os sentidos aguçavam-se, na ansiedade do próximo toque. Ele continha-se, cruel, apenas para vê-la tremer em antecipação. Ela sabia disso. Sentia o olhar dele sobre si, mas permanecia parada. O impulso era de tentar estender a mão até a fonte daquela respiração profunda, que podia ouvir.

Imaginava o sorriso ao rosto de quem apenas lhe espreitava e o quão rápido aquilo podia sumir, se não permanecesse quieta como havia sido ordenado. Nada a prendia, senão aquela tôrpe devoção. E o desconforto da idéia por alguns segundos a atormentava. Como se humilhada, por obedecê-lo tão prontamente, sentia um aperto como se tentasse engolir uma maçã inteira. Queria chorar. Quem era ele, pra deixá-la ali, assim?

E então o toque, novamente… sentia as pontas daqueles dedos às suas costas e sobressaltava-se com o quão gelados estavam. Suspirava profundamente, uma vez mais, e toda a incerteza deixava-lhe a mente. Assim como toda certeza. O gelo frio entre os dedos dele, deslizando por trás de seus ombros, como se desenhando-lhe uma linha, descendo por trás de seus braços.

Agradecia em voz baixa, por aquelas asas tão sutis.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Pela floresta – parte I

Ela checava atentamente os instrumentos, a cada cinco minutos. Nada no console principal nem nos sensores óticos. Todos os sistemas normais. Eram apenas ela, 9 toneladas de aço, plástico e fiação, e o espaço negro, repleto de estrelas. Aqui e ali, um asteróide… e lá também… e às vezes alguns bem perto… os sensores ativavam a propulsão de manobra muito em cima e isso a irritava um pouco.

Haviam lhe pedido com todas as palavras que não fosse por aquele caminho, quando deram-lhe a missão. Mas era tão mais rápido que não fazia sentido. Ainda mais para uma entrega a ser feita em sub-luz. Sentia-se acorrentada, em não poder utilizar os motores de salto. Mas o que quer que fosse a carga, não suportaria a aceleração. Culpava a inércia, por entre os dentes.

Os olhos deslizavam para as câmeras do compartimento inferior. Uma caixa tão pequena presa ao chão. Era de madeira, com cores pintadas na tampa, de avisos em vermelho e branco. Vista de relance, lembrava-lhe uma cesta de piquenique, daqueles programas nostálgicos de entretenimento. Ria baixo, imaginando tamanha tolice.

- Scarlet! – A voz chiava tão repentina e alta, em meio a toda a interferência dos asteróides, que ela assustava-se com o rádio.
Segundo informação nos monitores, a transmissão vinha direto da Nave-Mãe. – Onde diabos você está? – A comandante soava bem mais furiosa do que o normal.

- Estou bem, Nave-Mãe. Só muita interferência… segundo as leituras, vem da sílica dos asteróides, ou coisa assim. – Alcançava o capacete, ao lado da cadeira, para ter algo a abafar a gritaria que, já sabia, iria ouvir. Polia, vaidosamente, o lustro vermelho, antes de vesti-lo, enquanto apenas os chiados da respiração que acelerava-se do outro soavam na comunicação.

- Eu lhe ordenei! Por quê diabos está seguindo esse curso?  Acha que pode brincar com as minhas ordens, assim? Retrace seu curso AGORA e tire sua nave daí o quanto antes, ouviu bem? – Scarlet pensava no quanto os chiados causados pela estática faziam-na soar como um dinossauro e segurava-se para não rir. – O Comando proibiu quaisquer passagens por esse cinturão até que os Lobos do Espaço fossem capturados.

- Nave-Mãe, a senhora está falando de história antiga. Aqueles piratas abandonaram isso aqui faz tempo. Ontem mesmo estavam sendo caçados há anos-luz-

- Não interessa, Rainha Vermelha! São ORDENS! – A comandante provavelmente já babava de raiva, do outro lado.

- Sim, Mamãe. – Soava claramente entediada, quase birrenta. – Traçando novo curso… para perder mais dois meses e levar essses doces para a vovozinha… – Desligava o sistema de comunicação, aborrecida, e puxava os painéis de navegação para o colo, vendo os mapas se desenharem aos poucos na tela. A interferência dos metais naqueles asteróides era especialmente incômoda, para os sistemas de trajetória. Todo o resto continuava verde. Normal.

 
Pepper Groove, de ‘Artgerm no deviantART.

***

Era uma bela nave vista de longe, a Rainha Vermelha. Mais bela ainda a voz de sua capitã. Tinha ouvido um bocado daquela transmissão, decidindo se a presa valia sair de sua toca.

E o que quer que fosse, parece que irritaria muito o Comando, se
um lobo pegasse.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Religare

Estavam os sacerdotes, ali, todos com as mesmas roupas, os mesmos trejeitos e os mesmos olhares. O ritual começara, o círculo de homens se aproximando do altar cheio de escrituras, marcas e previsões horrendas. Repetiam mantras uns para os outros e para si mesmos, sem nenhuma conclusão ou resposta… apenas fé.

O altar lhes respondia, exigindo toda forma de sacrifícios e provas cegas de devoção. A cada mover daqueles desenhos, tudo ia tomando forma, mostrando um caminho. A saída que eles e os seus precisavam. Como toda trama divina, não era diferente que haveriam decisões difíceis dali em diante. Se entreolhavam, os membros daquele clero, antes de começarem a dividir tamanha responsabilidade.

Saíam dali, cada um com uma missão. Precisavam salvar um mundo em que todos lhes eram fiéis. O último deles estendendo a mão para o altar… desligava o viva-voz.


Business As Usual, de ~2dforever no deviantART.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Asas abertas

Mantinha os olhos abertos, com certo esforço. Notava o quanto o cansaço a alcançaria, se os fechasse por mais do que aquelas frações de segundos, teimosos que eram. O dia inteiro se passara e agora, finalmente fora de toda a loucura e correria, ainda não poderia descansar.

Era muito o que a prendia, ali. Cada laço e cada volta de suas preocupações apertando-se aos poucos, por cima das juntas e ao seu redor. O trabalho lhe atava as pernas, cansadas, ameaçando deixá-la cair a qualquer instante. Família trazendo suas mãos às costas, em voltas cada vez mais firmes. Homens que lhe rodeavam o corpo em voltas lascivas e faziam-se em nós por sobre e sob a pele.

Tudo tão opressivo, tão cheio de pequenos tormentos tornados imensos. E ali, finalmente longe de tudo, lutava apenas para manter-se desperta. Era seu papel não imposto, mas sim aceito de bom grado. E lembrar disso lhe trazia mais forças. Ali, era questão de orgulho. De entrega…


Shibari IV, de =koruptid no deviantART.

Àquela última volta, ele puxava toda a corda e firmava-lhe a amarração ao redor do corpo. Seu fôlego escapava todo de uma vez, como se num susto, e ela suspirava. Misto de dor, apreensão e prazer. Não estava mais nua. Vestia o cordame porque ele assim queria, mas entregava-se a ele com toda sua vontade.

Se sentia livre, pela primeira vez naquele dia… o corpo leve, porque estava como a mente. Não era, ali, de suas preocupações.