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quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Dois abstratos *em suspiros de prazer*

Pegou a palheta e encheu-a de tinta e poesia. Brincou um pouco com os pêlos do pincel pela própria pele, meio que dançando ali, à frente da tela em branco. Respirava fundo, suspiros de criadora e de deusa, os olhos fechados. Por sobre as pernas nuas, o macio toque daquela pluma, repleta de possibilidades, subindo-lhe às curvas com o seu jeito travesso.

Não dava pra saber como o tempo passava, em cada nova pincelada. Traços de cor e vida percorrendo o painel alvo. Um desenho que demoraria a se revelar, porque era assim que ela era. Aos olhos, mil paisagens tentando se insinuar por aquele espaço. Usava muito verde, como seus olhos que por vezes esgueiravam-se por olhares de canto, com jeito de ninfa. De poucas cores, misturava cada tonalidade exatamente como queria.

Por vezes dava espaço aos azuis, como do fino tecido que cobria-lhe a pele, quase transparente. Esvoaçavam como a tinta fingia fazer, pela tela. Parecia perdida, ou perdia-se, inebriada em tantas imagens que ninguém mais poderia compreender. Soltara-se, toda, tronco, braços, tecido, madeira e cabelos, e assim por vezes rodopiava, como se atingida por uma lufada de vento mais forte, que adentrava-lhe a janela. Cada vez que mergulhava o pincel no balde d’água, ria solto, suave, bela.

Passou por tantos marrons e castanhos, que pareciam deslizar para a imagem direto de seus cabelos, ficando mais claros como sua pele. Deu pequenos toques de realce, da cor e delicadeza de seus mamilos, em meio a suspiros que eram mescla de prazer e melancolia. Buscava o ar como se para conter-se, apenas um pouco, e entreabria seus lábios perigosos de sereia.


Water nymph, de ~BloodSorceress no deviantART.

- Vermelho… – a voz soava como nada que se pudesse ter ouvido antes e trazia toda sorte de arrepios, dos mais temerosos aos mais lascivos. O pincel mergulhava na água, solitário, e ela fitava a tela longamente. Novas tintas na palheta, enquanto seus dedos, tão delicados, percorriam a madeira, criando tonalidades de tão fortes, perigosas.

A mão manchada daquele sangue não tinha pena da tela nem de suas belas cores. Agredia a paisagem surreal com suas curvas de insinuante abstração. A respiração cada vez mais intensa, enquanto rasgava aquela imagem até achar-lhe a carne. Explodia em movimentos, quase revolta, como se prestes a rugir para a tela. Arfando no que jamais pareceria, embora fosse, seus últimos retoques.

Parou. Respirou. Recedeu… e só então olhou-me de frente. Suspirava de prazer e satisfação, enquanto se virava para mim, tão suja de tinta, manchando os cabelos daquele rubro, enquanto os ajeitava para longe dos olhos. Veio dando cada passo daquele jeito rebolado, quase felina, e riu.

– Se eu não me sujo, não vale a pena... o quê achou? - E eu, sentado e tolo, tentava ver-me naquele retrato. Ela deve ter percebido a minha confusão. – Bobo. – E veio até mim, em tantas cores, repleta de possiblidades…

13 comentários:

bete disse...

achei tão lindo! tantas cores..e o veremelho...ah o vermelho! e os castanhos...viajei pra outro lugar e deu uma saudade....bj

Tyr Quentalë disse...

Muitas vezes me perco pensando em como escrever um comentário para seus textos. Mas hoje pude ver duas presenças distintas, uma serena, tão cheia de vida, de uma delicadeza e fragilidade, que lembra-me um sonho, do qual poucos gostam de despertar.
Já na segunda parte, pude ver algo próximo ao caos, a fúria, a uma raiva prestes a explodir. A realidade que torna confuso o momento. Então vejo um mistério, bailando ao teu redor, meu caro andarilho. Uma mescla de dois sabores dissonantes que entorpecem seus sentidos. É isso que estabarda vê nas linhas traçadas às paredes de seu castelo.

Sisa disse...

Acho legal quando um texto desperta coisas além das letras e palavras. Seja sentimento, visões, sons, cheiros... enfim, sempre gostei muito quando isso acontece. E com esse seu texto eu cheguei a ver as cores e sentir a textura da tinta. =) Beijo!

Anônimo disse...

Isso que é sensualidade à flor da pele! :)
O desejo, a insinuação, e a entrega de corpo e alma - em vermelho, sangue e paixão.

Pintura belíssima, nino! ;)

beijocas

Anônimo disse...

IARA:
Acho a palheta de cores em qualquer pintura algo tão singular. Me coloco pensativo, ante muitas delas. Quis falar disso, caríssima. Adorei que tenhas gostado.

TYR:
E é essa dicotomia que tem a capacidade de entranhar-se na vida e fazê-la tão especial, por vezes. Momentos fugazes, mas que realmente importam.

SISA:
Despertar-te ao toque e a esse arco-íris é tanto uma alegria quanto um privilégio, caríssima.
;-)

MAMA:
Não me deram dons artísticos ou musicais, nessas veias. Mas ao menos me restou a capacidade de apreciar a ambos, imagem e som.

Bia disse...

Nossa!Fantástico!Que viagem vermelhíssima!

Lindo final de semana para você!

Beijos com carinho!

Biazinha

Macaires disse...

O verdadeiro artista se entrega e se mescla à sua obra de arte, fazendo de ambos uma coisa só!

Belíssimo texto, Troll!!!
Um beijo!

Tyr Quentalë disse...

Adorei a nova imagem, apesar de achar que ela não condiz com sua alma, meu caro Bardo

Kátia Limongelli disse...

ola, meu nome é Kátia Limongelli e tuitei um haikai seu em resposta não direta a @nigelgoodman que também escreveu no blog dele sobre haikais (http://www.nigelgoodman.com/haikai-701 ), se achar qualquer problema na minha atitude entre em contato, por favor.
vou deixar também o tuit referente http://twitter.com/KatiaLimongelli/status/4398265993

obrigada

Kátia Limongelli

Anônimo disse...

BIA:
Por vezes há certas viagens que simplesmente nos levam, sem que percebamos. Essa foi uma delas, enquanto eu escrevia.

MACAIRES:
Eu, afinal, não lido muito bem com a pintura e desenhos em geral. Acho que compenso isso, nas descrições. ;-)

TYR:
É uma alma em metamorfose constante, caríssima.

KATIA:
Fico muito feliz não apenas pela escolha de uma obra minha, como pelo crédito dado, caríssima. Seja muito bem-vinda ao Palácio e espero vê-la mais.

Anônimo disse...

Nino!! Amei essa transformação! A claridade, o colorido,a sensação de textura que dá vontade de tocar, e claro, evidente, eu enxergo bem melhor desse jeito! :))))

beijocas, querido

Fernanda Toledo disse...

A arte que está nos gestos e sentimentos transportados para a tela que de mesma intensidade e prazer formam perfeitamente a vida e seu mistério absoluto e abstrato. Viver sem se sujar, sem sentir o gosto de provar é deixar as telas em branco...
Entre tantos sentimentos, a paixão, o vermelho a carne ardente por explorar-se é o que prefiro!

Beijos meu querido...

Anônimo disse...

MAMA:
Bom que o novo Palácio esteja agradando. Estava na hora de ficar mais leve. ;-)

FERNANDA:
A carne daquilo o que nos torna humanos e nos dá cor. Por sob a epiderme frágil, somos borrões de pinceladas toscas e grossas, pulsando a guache que por vezes escorre para tentar dar cor ao mundo.