Pegou a palheta e encheu-a de tinta e poesia. Brincou um pouco com os pêlos do pincel pela própria pele, meio que dançando ali, à frente da tela em branco. Respirava fundo, suspiros de criadora e de deusa, os olhos fechados. Por sobre as pernas nuas, o macio toque daquela pluma, repleta de possibilidades, subindo-lhe às curvas com o seu jeito travesso.
Não dava pra saber como o tempo passava, em cada nova pincelada. Traços de cor e vida percorrendo o painel alvo. Um desenho que demoraria a se revelar, porque era assim que ela era. Aos olhos, mil paisagens tentando se insinuar por aquele espaço. Usava muito verde, como seus olhos que por vezes esgueiravam-se por olhares de canto, com jeito de ninfa. De poucas cores, misturava cada tonalidade exatamente como queria.
Por vezes dava espaço aos azuis, como do fino tecido que cobria-lhe a pele, quase transparente. Esvoaçavam como a tinta fingia fazer, pela tela. Parecia perdida, ou perdia-se, inebriada em tantas imagens que ninguém mais poderia compreender. Soltara-se, toda, tronco, braços, tecido, madeira e cabelos, e assim por vezes rodopiava, como se atingida por uma lufada de vento mais forte, que adentrava-lhe a janela. Cada vez que mergulhava o pincel no balde d’água, ria solto, suave, bela.
Passou por tantos marrons e castanhos, que pareciam deslizar para a imagem direto de seus cabelos, ficando mais claros como sua pele. Deu pequenos toques de realce, da cor e delicadeza de seus mamilos, em meio a suspiros que eram mescla de prazer e melancolia. Buscava o ar como se para conter-se, apenas um pouco, e entreabria seus lábios perigosos de sereia.
Water nymph, de ~BloodSorceress no deviantART.
- Vermelho… – a voz soava como nada que se pudesse ter ouvido antes e trazia toda sorte de arrepios, dos mais temerosos aos mais lascivos. O pincel mergulhava na água, solitário, e ela fitava a tela longamente. Novas tintas na palheta, enquanto seus dedos, tão delicados, percorriam a madeira, criando tonalidades de tão fortes, perigosas.
A mão manchada daquele sangue não tinha pena da tela nem de suas belas cores. Agredia a paisagem surreal com suas curvas de insinuante abstração. A respiração cada vez mais intensa, enquanto rasgava aquela imagem até achar-lhe a carne. Explodia em movimentos, quase revolta, como se prestes a rugir para a tela. Arfando no que jamais pareceria, embora fosse, seus últimos retoques.
Parou. Respirou. Recedeu… e só então olhou-me de frente. Suspirava de prazer e satisfação, enquanto se virava para mim, tão suja de tinta, manchando os cabelos daquele rubro, enquanto os ajeitava para longe dos olhos. Veio dando cada passo daquele jeito rebolado, quase felina, e riu.
– Se eu não me sujo, não vale a pena... o quê achou? - E eu, sentado e tolo, tentava ver-me naquele retrato. Ela deve ter percebido a minha confusão. – Bobo. – E veio até mim, em tantas cores, repleta de possiblidades…