Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Cafeína *risadas dos macacos de terno*

Acordo todo dia como quem está na beira da plataforma do metrô, vendo toda aquela gente passar quase voando, dentro das janelas, nos carros. Eu ali, lerdo e ainda tentando me soltar das teias do sono, esfregando a cara como quem teima em não ir lavar o rosto, ainda. Tem manhãs que dá vontade de ver todos os trens passarem, ao longo do dia, até que não sobre nenhum e só me reste voltar a deitar nos bancos e dormir mais.

O primeiro esforço é sempre vencer a inércia. Um corpo parado quer permanecer parado, afinal. Mas já me ensinou meu ortopedista: “você se espreguiça, alonga bem, ergue os joelhos, vira o corpo de lado, ergue o tronco e toca o chão com os pés. Aí levanta.” No erguer dos joelhos, já estou revendo tudo que pode dar errado no meu dia e tentando fazer planos de contenção. No erguer do tronco, já pensei em cinco saídas para cada uma dessas possíveis falhas. Tocar o chão que é duro. Sentir que a madrugada congelou o mundo inteiro, menos a minha cama, quentinha e confortável. Mas levanto mesmo assim.

É quando abro a porta e pego o jornal de cima do capacho que eu saco o primeiro trem passar batido, na minha frente. A primeira sensação de que eu acelero ou fico pra trás. Abrir a janela da sala pra deixar o sol entrar também não ajuda muito, mas ao menos me faz notar que tem mais gente na plataforma, comigo, ainda. Na varanda da frente, o guri sempre já de uniforme, brincando com uma bola, enquanto a empregada corre atrás do irmão dele, que teima em não colocar as meias. Uma idade em que nunca se está só no trem nem apenas fora dele. Tudo tem o mesmo ritmo. E o vento pela janela me faz lembrar que ainda não descongelei o mundo que a madrugada me roubou.

Hoje em dia já não ligo mais a televisão, de manhã. O barulho dela parece que invade o meu silêncio, incômodo e tolo. Já me basta toda a retórica de medo e reverência que invade a minha casa nas linhas do jornal. Pouca coisa realmente importante deve ter acontecido, desde a impressão daquelas folhas. De qualquer maneira, tem horas que ligar a tv é pior que abrir a geladeira. Calafrios mil, da pele até os ossos. Do papel, eu escolho mais facilmente o que quero ler e sofrer. O banho ajuda um pouco. Esquenta a pele, mas não a alma, é só um relaxamento e mais um passo para saber que não dá mais pra deitar e dormir. Ouço cada vez mais e mais trens passando, enquanto a noite escorre aos meus pés, esvaindo-se pela plataforma. Arrumar-me é tornar-me, também, parte desse frio, mas ao menos o terno cai bem.

A verdade é que só tem uma coisa para realmente aquecer-me. Meu único, terrível e confesso vício apita, no som da cafeteira. Os lábios indo provar da caneca fumegante, enquanto dobro os joelhos e me inclino à frente. O próximo trem é o meu.


Caffeine Fix, by 'Davenit on deviantART.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Descobertas... *do diário do Andarilho*

Se em meio a um mundo de descobertas, dois se descobrem um e um se descobre nulo, o que resta dessa vida se nada é o indivíduo e tudo é o outro?  Nessa indefinição do ser, busquei um dia descobrir-me em outros olhos e encontrar algo que jamais perdi. Naqueles olhares só haviam máscaras... quem eu sou sempre esteve só comigo.

Empresta-me os seus olhos e esqueça do brilho aos meus. Ele ofusca e é por um motivo. Não me descubra neles, exceto nos momentos que a fome não os inflame. Na besta domada, ainda indócil, está o que procura. Pode fazê-lo?

Decifra-me ou te devoro.

Varanasi_Seduction_by_jollyjack

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Queda *nas palavras do avatar*

E eu me deixo derrubar. O golpe era forte demais e a ele ergui o peito. Quebraria-me os braços, se fizesse diferente. O ser berrava e grunhia, como se fosse aquele acerto a derradeira vitória. Falhara em perceber meu olhar e por onde desviava-se. Os olhos sempre dizem para onde a lâmina vai. O impacto ao chão é dolorido, mas em nada prejudica o gosto do sangue que agora jorra das entranhas da Besta. Não, nem minhas asas imponentes puderam deter aquela queda. E ali, estatelado ao chão, sinto a chuva escarlate, que em nada me esfria o corpo. O ser gigantesco tomba, não na dor q me toma as omoplatas, mas no frígido silêncio da morte.

Sorrio. Manchado e úmido daquela vitória, sem ousar ainda me levantar. Não busco forças para mais do que trazer a espada para junto do corpo. A lâmina agora fria tocando a pele sobre o abdômen, me ajudando a conter a temperatura. Respiro fundo, sinto o tórax doer e a força de uma tosse seca tomar-me os pulmões. Mas ainda sorrio, na certeza de q eu me levantarei. Meus inimigos não.

À outra mão, fechada, ainda repousa a minha alma, sangrando... mas forte. Calejando-se do mundo, cicatrizando o tempo.

NewRoseBlood-2

terça-feira, 21 de outubro de 2008

367 *sussurram Rei e Andarilho*

Faz bem pouco mais de um ano... tudo mudava. Mergulhado em descobertas e sandices, jogava-me rumo a asas negras. Há um ano e um dia, eu te dava uma rosa, olhando-te nos olhos. Tu sorrias da forma mais verdadeira que eu já tivera visto e me abraçava com uma felicidade genuína que poucos braços até hoje me mostraram. Como daquela vez, agora eu apenas sorrio e me calo, sabendo que palavra alguma fará jus a todos esses dias.

O mundo nos deu outros rumos, mas não nos deixará nos esquecermos um do outro. Feliz aniversário, anjo. Se algo de uma dádiva passa de mim para você, neste dia, que seja um décimo da felicidade que me haja dado. E verá que nem as maiores asas podem conter certas lembranças.

Angel_by_SATTISH

God save the Queen.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Beija-flor *murmúrios do jardim dos sátiros*

"Pétalas de rosa". Era meio tarde para aquela constatação, mas enfim eu conseguia definir-lhe os lábios. Teria sido a melhor coisa a sussurrar logo depois do primeiro, até do segundo beijo. Mas a mente só havia chegado lá após tantos outros. Pareceria forçado, então deixei a imagem morrer em minha mente e simplesmente continuei aquele abraço tão delongado.

"Você está de blusa lilás". O melhor, imbatível, foi a expressão dela, reagindo àquela frase, ainda no celular. De alguma forma, eu havia ido em desvantagem estratégica. Sem fotos, sem sequer uma descrição esforçada, para buscar em meio à multidão. Ela tinha visto fotos, conhecia meus olhos e aquele sorriso 'marromenos' das típicas fotos forçadas. E no entanto lá estava, caminhando com toda a urgência de encontrar algo em volta, sentindo-se acuada em ser reconhecida. "OK, cadê você?"

Agora, aquele momento parecia distante o suficiente para ter fugido mesmo à memória recente. Os dois nos havíamos sentado ao restaurante e concordado em um ponto interessante: não havia fome. Ao menos por nada do cardápio. Aqueles olhos me diziam tudo o que precisavam, em meio a uma conversa até meio tolinha, mais com jeito de passatempo do que para dizer qualquer coisa realmente sagaz ou impressionante. As cantadas vinham em farpas de significados, dos dois lados e sobre a mesa decantava a ladainha de quem sente que poderia estar usando melhor seu tempo. Goles do refrigerante ajudavam a descer um pouco toda a ansiedade entalada à garganta.

Quanto tempo se havia passado? Perdido naqueles momentos, eu comecei a esquecer de olhar o relógio à tela do celular. Meus olhos se ocupavam em muito mais. Percorriam aquela pele em carícias, sentiam o pescoço macio arrepiando-se, tocando-o como se fossem meus lábios, deslizando para os cabelos, como dedos. Podia ouvi-la suspirar, enquanto essas carícias olhavam-na aos ombros, em breves lambidas e mordidas mais lascivas. Os braços, o entrelaçar de dedos, aquele colo com jeito tão acolhedor. Mas deixei o olhar demorar-se em acariciar aqueles seios. Ela notava e sorria, com jeito de safada, ajeitava o decote como se convidasse a me perder ali. Podia sentir o quanto e como eu a tocava, mesmo em meio ao local tão cheio e os dois ainda tão vestidos. Ruborizava, mais porque era uma reação graciosa e provocante do que por vergonha. Aquele colo... as coxas pressionando firmes contra a calça, marcadas, cheias de promessas escondidas. Eu poderia tomá-la com o olhar, mas fora roubado em meus instintos, para um novo beijo, tão intenso que por um breve momento deixei a mão brincar como os olhos e arrancar suspiros mais intensos e um rubor genuíno.

Aquele olhar, no entanto, certamente jamais faria jus ao desejo que agora meus dedos expressavam. A chegada ao quarto, tão afoita, os beijos perderam quaisquer travas e agora explodiam aos lábios, em mordidas, lambidas e deslizares. Escapavam às bordas dos lábios, como se um prestes a devorar o outro, enquanto os dedos percorriam aquela pele macia, já insinuando-se por sob as roupas, no rompante de arrancá-las e expor-lhe a pele. Os seios fartos deixando de decorar o vão da blusa para sentir as carícias tão firmes, os dedos em toques e apertos e os lábios mais que suspiros. Jogando-a por sobre a cama, deixo-me percorrê-la toda, agora nua, e sinto aquele corpo entregue como minha presa... os lábios e a língua já apressados, indo juntar-se aos dedos que a sentem por completo. Aquele calor, a umidade, e o aroma de sexo me inebria. Meus lábios melando-se como os de criança que se refestela em doces. A boca sente aquele outro toque, ainda mais macio que antes e agora repleto de orvalho. O sorriso matreiro desponta e olho-a.

- Pétalas de rosa. - e ela sabia, de meu sorriso, que nada seria mais delicioso que violar a beleza daquela flor. E me olhava, vadia, implorando para ser despetalada.

Blood_Rose

domingo, 19 de outubro de 2008

Mestres do universo *ao redor da fogueira*

Recebi no S2 Engine a proposta para colocar aqui um meme em homenagem ao Dia do Mestre (que já passou), e gostei da idéia. A coisa é falar dos Mestres da sua vida. Vamos ver...

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1. Meus Mestres na Música
Bom, impossível começar esse sem falar da grande (e pacientíssima) Glorinha, minha professora de teclado que, dizem, conseguiu extrair alguma gota de talento de meus dedos, sobre aquelas teclas. Em seguida temos outro santo paciente, Professor Marcos, que passou três anos me aturando em suas aulas de teoria musical. Eu gostava muito, verdade seja dita.  No entanto, digo e repito que nasci sem qualquer iota artística em minhas veias. Das artes plásticas à música, eu não passo de mero apreciador.

Passando de quem efetivamente me ensinou a quem muito me influenciou, são outros 500. Minha vida SEMPRE teve trilha sonora. Não adianta tentar enumerar tudo, perdição isso. Mas o que me vem à mente: Roxette, Queen, Skid Row, Guns, Iron, Metallica, U2, Apoptygma Berzerk, KoRn, Rammstein, SOAD, Disturbed, Emilie Simon, Enya  (sim, Enya, senhoras e senhores), Era, Ayreon e muita coisa...


2. Meus Mestres de Relacionamento
OK, esse é algo delicado... há UMA pessoa que passou batida pela minha vida, alguém que realmente só foi um fator de influência por uma noite e meia manhã, mas fez toda a diferença. Não quero dar nomes, sinceramente, pois nem acho q precise disso, para a relevância deste meme. Mas foi uma pessoa que me surpreendeu em um momento definitivo, com uma frase que marcou-me profundamente: "Pq vc está cobrando do mundo que veja em vc algo que vc mesmo não vê? Não acha injusto, isso?" Quem me acha super-confiante ou meio egocêntrico, agora conhece de onde veio.

Bem, ir muito além disso é mergulhar no excessivamente subjetivo, mas meus outros Mestres nesse âmbito foram aquelas mulheres que de alguma forma me machucaram e realmente marcaram. Pessoas que me ensinaram a me resguardar um pouco mais, que deram aquela calejada no peito. Obrigado a vocês.


3. Meus Mestres Intelectuais
Aqui o bicho pega. São muitos e adoro a todos, realmente, ainda que alguns nem saibam disso. Mas o primeiro a realmente me fazer ter fome de conhecimento e muito mais foi uma professora santa que conseguiu aturar minha hiper-atividade até mais que meus pais, a grande tia Leninha, que me focou em devorar livros, já na segunda série. Dela, parto direto para um cara que eu odiei por um ano, antes de perceber as verdades em suas palavras: Uwe Barcellos, grande! Como todos os poderosos gênios, a vida te colocou provações grandes demais, mas onde quer que estejas, não me esquecerei dos esporros monumentais e massacrantes.
O próximo da lista precisa ser ninguém menos que Lenivaldo Gomes, professor de Teoria da Imagem, na faculdade. Um outro homem genial, de uma simplicidade tão marcante quanto sua inteligência. Ainda da mesma época, como deixar pra trás Marcia Guarischi Cortes, professora de fotografia que eternamente me deverá aquele aprofundamento em fotografia abstrata. *rs* Altos papos na banca de jornal, madrugando antes da aula. Lição de vida em pessoa. Por último, professor Bernardo, de marketing. Um homem que assume sua missão ao ponto tal que todo sábado recepciona grupos de alunos em casa, para suas aulas mais importantes. Salve, grande!

Saindo das aulas para os livros, vamos a quem realmente fez algo por mim, em páginas e linhas, sem qualquer ordem específica (conforme vou lembrando): Machado de Assis, Veríssimo, Umberto Eco, Julio Verne, Rolland Barthes, Michel Foucault, Edgar Allan Poe, J.R.R. Tolkien, Neil Gaiman, Theodore Levitt, H.P. Lovecraft, Erving Goffman, Maquiavel, Hobbes, Shakespeare... com certeza esqueci uma porrada.


4. Meus Mestres Espirituais
Delicado... mas já parou pra olhar em volta e realmente abrir os olhos pro mundo? Acho que meus melhores mestres espirituais sempre foram a observação e a auto-crítica.

Muitos da resposta 3 também caberiam aqui.


5. Grão-Mestre
No sentido que se aprende tanto pela dor quanto pela experiência alheia, acho que preciso citar aqui os doutores. Meus pais. Apesar de todos os pesares e de tamanha instabilidade já antiga, não posso negar o quanto se esforçaram em me ensinar, de todas as formas. Não vejo escolha mais nobre que a de se arriscar em criar um outro ser humano. Fui e sou difícil, mas isso é papo para outros momentos.

Em um sentido totalmente inverso, também cito meus impulsos. O abandono a eles já me levou a tanto do melhor e do pior que gosto de crer que meus instintos me trouxeram longe, para esses poucos 26 anos.


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Como sempre, não pretendo repassar o meme a ninguém, quem curtiu, faça e depois me avise aqui, q vou adorar ler.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Pulso *escorrendo pela mesa*

É de vez em quando que se torna insuportável. Essa vontade, esse desejo fica tão palpável que começa a correr-me as veias, feito líquido grosso que o corpo faz pulsar. Desejo vermelho, ferroso, arrebatador, que faz-me o peito doer. Não posso deixá-lo parar, mas pulsá-lo por mim é cada vez mais difícil, sinto isso nas entranhas. Pelamordedeus, sinto-o querendo parar e não mais suporto o corpo tremendo em estranhas ânsias. É quando algum sentimento toma tanta força q vira substância, algum pensamento decide correr por sob a pele.

Desesperado, sinto a morte querendo vir, por um coágulo das idéias. Forte demais para o coração manter tudo fluindo. Pego a caneta e cravo-a ao pulso. Deixo tudo jorrar, vermelho e grosso, sobre o papel. A mente aliviando-se naquele suicídio de minha sanidade. Letras... palavras... eu sangro tudo o que os lábios não poderiam ousar falar. Me esvaio em amor e ódio, desejo, medo e delírio. Espalho meus sonhos em quantas páginas couberem.

A luz da vela bruxuleia... do lado de fora, traz-me luz a lua cheia. E desmaio em meio ao último delírio. A tinta pulsando o oxigênio, por meu corpo.

A_peek_into_the_abiss____by_addammgl 

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PS: A fotomanipulação é cortesia da Lekkerding, o olho é meu. Adorei, caríssima, obrigado.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Justiça *dos profundos abismos aberrantes*

Como ela poderia saber?

Sentia a textura da madeira antiga sob os dedos, deslizando-os pela escrivaninha robusta e escura. O rosto de feições frágeis e compleição pálida, parcamente iluminado pela chama bruxuleante da vela que já teimava em não apagar. Há quanto tempo se havia deitado sobre a mesa, naquele canto escuro do ostentoso castelo? O vento que vinha do oceano não podia acariciar-lhe os cabelos louros e de curtos cachos, ainda que insistisse contra as janelas fechadas. O mar, que lhe salpicara o rosto de sardas, ao nascer, agora batia teimoso no rochedo ao topo do qual a construção se erigia.

Ela podia sentir que tudo tentava alcançá-la, vindo de fora, mas naquela noite não cederia ao impulso de escancarar as janelas e sentir a brisa salgada. Seus dedos delicados ainda sujos da tinta, a ponta da pena manchando uma borda do papel e a carta escrita às pressas. A caligrafia, sempre tão bela e fina, ali tremida e irregular.

- Eu... não sabia... não... sabia...

As palavras saíam em um balbuciar quase catatônico, enquanto seus olhos arregalados fitavam as sombras ao redor. Desde o incidente, as noites no castelo se haviam tornado solitárias e agressivas. Ela podia sentir o momento que se aproximava, ouvia os corredores sussurrando em algum dialeto antigo, as pedras ressonavam uma sinfonia canhestra. Mas não aquela noite. O lugar se deitara silencioso, junto com o sol, e ela sabia o que isso significava. Por isso a carta. Quisera explicar a alguém o que ocorrera, mas a meio caminho do papel decidira apenas tentar desculpar-se com ele.

"Eu não imaginara que pudesses ser um anjo, meu Micah. Desculpa esta tua tola, onde o tenhas enviado, mas não deixai que o destino seja negro. Nada sabia, nada sei... que preço tôrpe pagarei, ó meu amado, pelo sangue de teu peito cascateando em meus seios? Pela lâmina que lhe atravessei no espanto, sob a imponência de tuas asas? Que alguém tenha piedade de minh'alma, amado, pois quis crer que não haveria horror maior que o de privar o mundo de teu sorriso. Meus sonhos. Por Deus, quando meus sonhos me mostram o que fiz. E que horror antigo será meu carrasco! É o teu sangue, ele não sai das paredes nem da cama! Ele me cobre toda noite, na lascívia daqueles nossos últimos momentos. Em momentos de um prazer insano, como punição por meu crime. Micah, perdoa-me. Eu nunca soube..."

As lágrimas molhavam o papel, a dor era imensurável. Àquela última releitura, o Carrasco lhe adentrara o quarto, tão silencioso quanto ela sabia que seria. Um horror amorfo que deslizava pelo chão, centímetro a centímetro, e agora levantara-se por trás dela, como um lençol pulsante indefinível de olhos, presas pontiagudas e garras. O abraço a dilacerava e não deixara-lhe forças sequer para gemer de dor... apenas lágrimas, enquanto sentia o romper da pele, de músculos e a carne deslizar pelos próprios ossos.

Até ali, ela quis crer que dor alguma superaria a daquela perda. Sentia-se tola, imersa no frio de ter todo o sangue sugado de seu corpo, devorada por aquele ser horrendo. Mas viveu o bastante para ver surgir, do topo daquela massa inominável, o mesmo par de asas de que se recordava de ter visto, às costas dele. E esvaiu-se de vida, sentindo-se a mais ingrata das mulheres. Sua mão, indefinível entre osso, pele e carne, amassando a carta, no gesto derradeiro.

Como ela poderia saber? Perdida na estúpida visão do tão somente óbvio.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Catarse *gritam os bufões do Palácio*

E pelo tremor, através das planícies, vi
acordava então o avatar de todo caos.
Força antiga, furiosa, levantando em chamas,
desordenados urros, de vidas que nem sei.
.
E a ira me queima as narinas, em negra febre.
.
Que sandice vem e me ergue, qual fera mítica?
Que vida será que eu estou vivendo agora?
De qual conto de terror saí, herói sem esperança?
De onde sopram trombetas, nessa trilha canhestra?
.
E a ira me arde os olhos, em rubra peste.
.
De quem é este sangue em minhas mãos?
Só me lembro dos dedos rasgando a carne,
o quebrar dos ossos e o ceder da fina pele.
De quem são as entranhas, caídas pelo chão?
.
E a ira me nubla a mente, em verde praga.
.
E de todas as perguntas, uma tola certeza.
E dela, e nela, eu me ergo, o invencível.
E ainda sou eu, mais que insano, mais que altivo.
E sempre serei homem, criança, guardião e besta.
.
E a ira me abre o peito, em alva panacéia.
.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Yeats *em sussurros no rio do tempo*

HE WISHES FOR THE CLOTHS OF HEAVEN
By W.B. YEATS (1865-1959)

Had I the heaven's embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread lightly because you tread on my dreams.