Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

sábado, 31 de maio de 2008

KUARAY

Prólogo: Amanda...

-------------------------------------

Capítulo 1: Europa (primeira parte)

 

- Maurício Gomes Lopes. - Meu nome. - Piloto. - Minha profissão. - Nave de Transporte Ambiental BR Kuaray. - Minha casa.

O ritual é sempre o mesmo em qualquer estação espacial, mas só na de Europa tem essa voz irritante, comandando-o. Lara P. Mona já é um nome idiota por si só, ainda que não estivesse escrito em um crachá tão sujo e engordurado como esse. Dizem que é errado julgar o livro pela capa. Seja quem for, deveria conhecer a peça. Mas admito que talvez de costas a capa possa te fazer subestimá-la. Baixinha desse jeito, vai que seja inofensiva. Mas é só olhar nos olhos, vai por mim.

- Seu manifesto não tem só carga, dessa vez. Posso ver os papéis de permissão pra transportar a garota? - Amanda está calada, mas grudada em mim, praticamente. Seus olhos notam a forma como a condensação congela, às escotilhas de observação. - Também vou precisar checar o suporte de vida da nave.  - Mona faz o tipo que pode perder a tarde inteira procurando qualquer falha. Uma burocrata entre burocratas. Deviam dar uma medalha, para gente tão chata, talvez isso lhe calasse a boca. Se bem que poderia encorajá-la.

- Onde já se viu, deixar um piloto sozinho trazer uma menina tão nova, por um salto longo desses? - Ela está ansiosa pra me ver estourar de raiva, aqui mesmo. Eu não daria a satisfação, ainda que involuntariamente a mão tenha se fechado. Só um soco. Acho que vou arriscar.

- Pra seu governo, eu sou muito mais velha que a senhora! - Parece que sem querer a oficial aduaneira ofendeu a menina. Realmente, séculos as separam. Mas assim, de vista, parece exatamente o contrário do que ela disse. - Eu fui muito bem tratada, no caminho até aqui, viu? Você sabe quem é o meu pai? - A menina sequer conheceu o cara, ainda, mas todo mundo sabe que ela está sendo adotada por uma família poderosa.

A explosão de Amanda, entretanto, valeu a pena. Mona engole todo o resto de seus estúpidos protocolos e começa a rodar apenas as checagens rotineiras de sistemas, no seu console, observando a Kuaray, imensa, acoplada ao deck de vôo da estação. Minha passageira observa a lua de Júpiter, abaixo de nós, por uma das escotilhas próximas, com um ar tão curioso, ainda que do jeito usualmente triste.

- Chegaram a descobrir vida, em Europa? Eu via documentários em que cientistas falavam dessa chance. - Ela fala baixinho, perguntando a mim, apenas. Comentando mais um pouco do mundo de que se lembra. Os olhos parecem ter tido o brilho de quem sonhava com um futuro glamuroso, realmente. Bem diferente desse lixo.

- Micróbios, bactérias... as estações de extração pegam isso em todo tipo de filtragem, quando coletam gelo e o transformam em água potável, pras outras colônias. - Europa, sexta lua de Júpiter, era um lugar disputado a tapas, por todas as corporações. Gelo, um oceano sob ele e uma atmosfera rica em oxigênio. Uma fortuna em extração, para suprir necessidades ambientais de tantas estações e colônias do sistema solar. Só estar aqui já é algo restrito. Eu, no entanto, venho com certa freqüência.

Amanda continua próxima, como se tudo lhe desse o mesmo medo que da primeira vez. Eu já expliquei a ela que com o tempo você perde a noção de que está voando pelo espaço a uma velocidade absurda, protegido apenas por uma casquinha de metal que, sinceramente, é pouco mais que uma armadura daqueles velhos filmes de nobres e cavaleiros. A menina veste um casaco pesado, de lona, e tem sempre um imenso ar de decepção, ao rosto.

Um alarme. Uma forte sirene soando pelo deck de vôo e toda a parte superior da estação. Problemas. Problemas dos grandes. A voz no rádio preso ao meu traje de vôo soa com aquele chiado horroroso, mostrando uma conversa de rádio da torre. - Nave de Transporte Ambiental BR Acará, responda!

Mona parece preocupada, começando a checar outras coisas, em seu console, comentando comigo em voz baixa. - Ela não parou de desacelerar, desde que saiu do salto. - Amanda me olha, apreensiva, seguindo-me até uma das escotilhas, seus olhos perscrutando a noite escura, do lado de fora, assim como os meus. Ela procurando uma nave desgovernada. Eu temendo uma grande bola de fogo, do oxigênio queimando em meio a alguma colisão.

-------------------------------------

OK, pessoal, peço desculpas por ficar tanto tempo sem postar nada, aqui, mas esse mês a cabeça estava em um vácuo criativo bem irritante. De qualquer maneira, estou de volta. Esperem por maus usuais dois posts por semana.

Abraços e obrigado por me acompanharem, como sempre. Espero que gostem.

Troll

segunda-feira, 12 de maio de 2008

haikai XIV *um sussurro no tempo*

lordes da guerra
entropia mundial
seus holocaustos

terça-feira, 6 de maio de 2008

Bestiário I *de um tomo antigo e empoeirado*

PRÍNCIPE ENCANTADO
- humanóide mitológico
Habitat: imaginário feminino e masculino homossexual
Organização: solitário, dupla (gay, claro, ele é muito chato pra topar ménage)
Tesouro: "felizes para sempre"

 

O Príncipe Encantado é o tipo de criação fantasiosa que algum pai tirou da cuca para convencer suas filhas que elas não deveriam jamais casar-se. Na dificuldade de explicar-lhes porque devem ficar sem sexo até o casamento, decidiu contar-lhes que haveria UM homem com quem isso daria certo.

Típica figura de linguagem paterna, portanto, é um ser chato e basicamente desprezível, cujo único mérito real seria um tal de "felizes para sempre", de procedência pra lá de duvidosa. Seu ataque mais eficaz, quando acuado e forçado a reagir, é um fraco papai-mamãe, ou missionário, de curta duração.

Conhecido por ter mais amor ao seu fiel garanhão do que qualquer princesinha adormecida ou presa, é famoso no mundo real pela farta quantidade de casos de decepção amorosa que seu nome pode evocar. Também há indícios de sua existência no imaginário emo, mas vestido de preto e com a típica franjinha Adolf-Hitleriana. Tem a capacidade de se transformar em sapo para evocar a pena, no desespero por um beijo qualquer.

Representa o sonho romântico que pode ser deixado de lado ao primeiro sinal do típico anti-herói, no horizonte. De Clark Kent a Scott Summers, passando pelo Anakin Skywalker da nova trilogia, é o Backstreet Boy dos contos de fadas. Um mito, portanto, de curta duração (em vários sentidos, como já explicado antes) e mais para ser usado como troféu do que compania.

Um pé no saco (ou onde doer mais em vocês, meninas), realmente, facilmente substituído por outro ser do imaginário feminino: o Lenhador Sensível.

 


Prince charming by ~EdennaEve

domingo, 4 de maio de 2008

Síndrome da Lebre Branca *fala o curandeiro*

O quão atrasado ou atrasada você está, nesse exato momento? A pergunta não é retórica. O que preciso saber é o quão longo pode ser esse texto, até que você tenha que simplesmente largá-lo e ir fazer outra coisa. Veja bem, não estou dizendo que você não goste de ler, ou nada do gênero. Acho até que se os seus olhos pararam por aqui, interesse há - e por isso lhe sou grato. Só não quero que se atrase a nada por minha causa.

O fato é que a era contemporânea, da integração e das facilidades eletrônicas não é o que eu via no desenho dos Jetsons. As máquinas e maravilhas robóticas não andam me poupando o tempo e esforço que a televisão me prometia. Nem essa tal globalização, que no meu Ensino Fundamental era um milagre que uniria a todos e durante a universidade se tornou um vilão que nem Super-Homem vence. Ao invés de um desenho dos anos 80, o que vivemos é um conto de 1865. Não somos a família do futuro em seu carro voador, cruzando os céus. Somos lebres brancas, com o relógio na mão, correndo atrasados para dentro de buracos estranhos. E ai da tal Alice, se achar que tem tempo de nos seguir para ver no que dá!

Outro dia, atrasado entre um cliente e outro, caí dentro do primeiro táxi vazio, disse o endereço e complementei, falando comigo mesmo (mas querendo que o motorista ouvisse): “Já estou tão atrasado”. Demorei pouco para notar como aquilo podia ter soado grosseiro e corrigi-me: “Mas olha, a culpa disso é minha. Sei que o senhor nada tem a ver.” O resultado foi um sorriso animado, toda uma conversa sobre quantos acham que seus atrasos são problemas dele e a corrida Botafogo-Tijuca mais rápida da minha vida. Aparentemente, ele fez questão de não deixar eu me atrasar mais.

Em um ensaio sociológico, Edgar Allan Poe uma vez escreveu algo curioso, a esse respeito. Propunha, na primeira metade do século XIX, que a modernidade gerava uma nova maneira do homem ver o tempo e lidar com ele. Escreveu isso ao observar a proliferação de relógios de bolso entre os cidadãos londrinos. Talvez tenha sido esse ensaio seu maior conto de terror, afinal. Propor um mundo em que as pessoas cada vez mais seriam escravas dos ponteiros. Penso no que ele teria imaginado, para a toca do coelho onde caiu Alice. Mas talvez eu esteja divagando demais.

Considere o quanto esbarrar com um velho conhecido que você possivelmente não via há anos se tornou pouco mais do que: “Oi, fulano! Quanto tempo! Vamos marcar alguma coisa.” Prolongando-se disso, talvez se chegue a ótimos 20 minutos de conversa e, depois, só Deus sabe quantos outros anos sem se verem novamente. Curiosamente, a conversa mencionada será 80% de colocações sobre como e por que vocês não andam com tempo para se ver mais. Nos outros 20%, uma lista das pessoas que os dois nunca mais viram, em comum e pelo mesmo motivo: tempo. Ah, e já estava claro que a “alguma coisa” a se marcar dificilmente viria, ocupados como os dois têm estado. E não estamos todos?

Aliás, que me perdoe o leitor ou leitora... mas agora eu estou atrasado. E você, possivelmente, também. Presos entre Carroll e Poe. Somos lebres, com nossos relógios de bolso.

------------------------------

Publicado no fanzine Elebu do mês passado, quem ainda não leu, espero q goste. O fanzine deste mês já saiu e é edição de aniversário! Está valendo muito a leitura, pessoal, dêem uma conferida. É só baixar em: http://elefantebu.poraki.com.br/

Boa leitura.