Bem-vindos à nova dimensão... seqüenciador de sonhos online.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Em fuga... *sussurrado por Angelique, à fogueira*

Aquela floresta parecia ainda mais escura, no cair da tarde, do que à noite, propriamente. Era um lugar de lembranças, para aqueles viajantes, para alguns boas, para outros, tão ruins. O Bosque dos Reis deixara de fazer jus ao nome, após poucas centenas de anos, e expandira-se para além daquele pequeno vale. Cobria todo o território, até os agitados Mares Atlânticos. Sufocava o que ainda restava ali dos pés de laranjeiras que antes cresciam às bordas do vale. Eram imensas plantações de frutos coloridos, de quando a nobreza chegara àquelas terras selvagens e tentara domá-las com alguma beleza. Eles haviam deixado o castelo na noite anterior, aproveitando a pálida luz da lua cheia, mas a noite que se aproximava não seria tão gentil. Nuvens tornavam todo aquele céu cinzento e a escuridão viria mais cedo, sabiam disso.

- É idiotice, sabe? Se ninguém pisa pra esses lados do Vale há centenas de anos, o quê diabos viemos fazer aqui? Cacete, dá pra ver que vai dar merda! – a voz estridente e áspera da pequena Fabiana, uma Nocker de pele pálida e bochechas vermelhas, soava como o arranhar de unhas em um quadro negro. Tinha os cabelos de um cobre sujo como o avental, enquanto preocupava-se em fazer funcionar uma bússola que lhes fora dada pelo vizir do castelo, em meio à fuga.

- Pelo mundo dos Acordados, a criança jamais estaria em segurança. E Lady Beatrice nos ordenou que a tirássemos de lá. Lembre-se da Rainha, Fá... – Edgar, o imenso troll de pele azulada e cabelos encaracolados, negros, parava ao lado da pequena ruiva e parecia grande demais para serem realmente enamorados. Trazia sentada ao ombro direito uma menina que não poderia ter mais de 12 anos de idade, uma Sidhe de cabelos dourados, tão longos e cheios que algum desavisado poderia achar que seu guardião era, na realidade, loiro. O homenzarrão trajava uma placa peitoral polida, simples, sem qualquer brasão, calças cargo, bem largas, cheias de bolsos e tênis Adidas, pretos. – Não esqueça que o vizir nos mandou seguir para leste.

- Tá, eu sei! Acha que eu não lembro, porra? Mas essa bosta de bússola não funciona e não veio com garantia, tá bom? – Fabiana se aborrecia, o rosto ainda mais vermelho q o normal, e berrava impropérios com o aparato – Funciona, putaquepariu!!!! Eu vou te desmontar em pedaços, sua merda arcaica! – achava uma pedra um pouco maior, entre duas árvores, e erguia a bússola no alto prestes a quebrá-la contra a rocha.

- Espera... ela girou... – aquela voz soava repentinamente, por trás da jovem inventora, assustando-a como de costume... olhava por sobre o ombro, de soslaio, e via o andarilho cinzento observando a bússola. Ele jamais emitia qualquer som, mesmo em meio ao bando de folhas secas em que pisavam. Era um elfo, como a menina aos ombros do mostruoso ser azul, mas parecia ainda mais pálido que ela. Tinha os cabelos castanhos bem arrepiados, curtos, e uma expressão sempre serena. Não trajava armadura alguma, apenas um sobretudo marrom, mas tão desbotado que a um olhar mais distraído faria-lhe parecer um médico. De cada lado da cintura, pendiam os coldres de duas espadas longas, esguias como ele mesmo. – É pra lá...

O troll apenas suspirava, ao ver a amada mostrar a língua para o elfo andarilho, que se afastava na direção certa. Em seguida trazia a bússola à altura dos olhos e sorria, faceira, com um ar vitorioso. – Só precisava tomar um susto, né? – Guardava-a no grande bolso do avental, levantando o rosto e sorrindo para o imenso namorado, antes de seguir o guerreiro silencioso, Rogério, que embrenhava-se ainda mais naquela mata espessa, ainda sem fazer qualquer ruído.

A menina, Catarina, via tudo de um pouco mais alto e seus olhos azuis bem claros foram os primeiros a notar aquela aproximação... abaixava-se, abraçando aquele grande pescoço azul, assustada. Algumas das grandes árvores mais à frente deles começavam a perder sua cor, como se definhassem, deixando-se mostrar pelo que realmente eram: meros reflexos de prédios, casas, postes e construções, projetando-se no Sonho. O troll logo erguia melhor a cabeça e também podia ver aquele mudar, sentindo uma brisa muito fria começar a soprar pelo Bosque.

- Rô... ele está aqui... – o vento frio vinha agora com cheiro de húmus, soprando pedaços de galhos e folhas secas, quebradiças, na direção dos quatro... algo se movia, muito à frente, mas já visível aos dois guerreiros. O elfo parava, alguns passos à frente, a mão esquerda instintivamente alcançando a empunhadura de uma das espadas à cintura.

- Chega a ser difícil acreditar... – o Sidhe falava, naquele tom altivo, típico de sua raça – Ele pode profanar mesmo o próprio Sonho. Eu imaginava que ele teria perdido a capacidade de cruzar o véu... Lady Beatrice estava errada, afinal. – Aquele ser se aproximava, arrancando a cor e a beleza de tudo que o rodeava, trazia, ele também, uma espada já na mão esquerda. Aeglos, a “Ponta de Gelo”, fora uma arma belíssima, em seu tempo... a lâmina transparente tinha um brilho próprio, emitia um frio agradável, bem diferente daquele que agora parecia se deixar sentir nos ossos deles. O gelo que formava a arma havia enegrecido, deixando surgir rachaduras e lanhos ao longo da superfície.

- Não sei se vocês perceberam, mas estão perto demais da costa... caminham em meu território... achei que tínhamos um trato, não? – A voz daquele jovem era rouca, como o farfalhar de folhas no outono. – Mas lhes dou passagem, sem qualquer preço... afinal, estou diante da princesa da Primavera. – Aquele vulto negro abria um sorriso canhestro, aproximando-se ainda mais, deixando-se notar, à fraca luz. Era um rapaz de pele bem clara e cabelos negros, que misturavam-se a pêlos de gato, da mesma cor. Acima da cabeça, sobressaía um par de grande orelhas angulares, enquanto das costas, deixava-se notar o rabo felino, serpenteando por entre folhas de outono, que pareciam segui-lo, ou cair de seu pêlo.

- Não sabíamos que o trato se estendia ao Sonho, cavaleiro do outono. – A voz do troll retumbava por aquelas árvores e sombras. – Sequer achávamos que seria possível você chegar a este lugar, ou teríamos tomado outro caminho.

- Sabe... – O garoto deixava aqueles olhos, as pupilas cortadas na vertical, pela íris, examinarem bem seus antigos colegas. – ... até aí eu não imaginava que a Bia deixaria vocês atravessarem o portal do castelo. Afinal, há muito que pisar nos Sonhos do reino de Santa Cruz é proibido, a todos nós. Mas se bem me lembro, a corte perdeu uma certa pedra... VOCÊS perderam uma pedra... muito legal. – Ria, baixinho, rouco, rodeando-os.

- VOCÊ!!! Ah, seu escrotinho, foi você quem pegou a Pedra, né? Você tá fodido, se eu te agarro! – Fabiana enfurecia, uma vez mais, olhando no fundo daqueles olhos cínicos.

- Nada, menina... mas vocês nunca se perguntaram se ela não podia ir parar em mãos erradas? E se com o poder dela, uma cria do outono poderia vir corromper seu lindo Sonho? – Eles olhavam em volta e podiam notar sombras se movendo, o frio daquele lugar aumentando. A jovem princesa segurava-se com mais força ao guerreiro azul, como se tentasse buscar algum calor...

- Mas você não saberia usar a Pedra! O único de nós que conseguia era o Thiago... e você... o deixou esquecer... e morrer... – Rogério sacava as duas espadas, ainda sem emitir qualquer ruído, exceto pela própria voz. Estavam cercados... aquelas sombras se assemelhavam a imensas panteras, mas com cabeças de gatos... toda a cor que tinham estava nos olhos, sempre amarelos, grandes, em meio ao Bosque. Fabiana sacava do bolso o celular, discando as teclas 1-9-0, deixando o dedão sobre o “Send”.

- Mas como eu disse, vocês não podiam saber que eu estaria aqui, então podem passar... EU não farei nada com vocês, tá bom? – O Pooka corrompido deixava-se desaparecer entre as sombras e apenas a voz continuava, entre as árvores, casas e postes. – E tem razão, orelhudo, eu não poderia usar a Pedra... mas vocês conhecem o Eshu Cabeça-de-Palha, eita velho porreta! – Aquela risada de escárnio ecoava, enquanto as sombras saltavam sobre os aventureiros e a princesa infante, irrompendo em uma luta furiosa.

domingo, 28 de outubro de 2007

Guardiões II *recém-escrito, em páginas de pergaminho*

Angelique observava tudo, em pleno vôo, como fazia sempre, já há uma semana. O ar daquele lugar era seco, bem mais do que ela estava acostumada, mas o calor ajudava-a a pairar sobre as próprias asas, e se divertia em fazê-lo, vez ou outra. Flutuava do lado de fora daquela varanda, observando o movimento dentro do apartamento. Jamais fôra convidada, não entraria naquele local, sabia respeitar isso. Era uma mera vigia, mas não se incomodava. Ali estava, só por que seu Criador queria ter certeza de que as pessoas que ali viviam estariam bem.

A manhã tinha passado tranqüila e ela agora divertia-se se aproximando da gaiola do canário, provocando-o a cantar um pouco mais. Observava o menino brincando na sala e deixava-se demorar nele. Havia se afeiçoado à criança, nesse pouco tempo, e admirava o jeito como ela e a mãe se davam. Pelas noites daquela semana, o maior contato que tivera do Criador foi ouvindo sua voz, bem baixa, bem ao longe, quando ele ligava para conversar e trocar sorrisos e toques imaginários, com aquela mulher que tanto o enfeitiçava. Angelique em pouco tempo pôde entender pq ele voltara a acreditar nela e em...

- Oi, Angelique...

Assustava-se com a voz que surgia sorrateira, flutuando bem atrás dela.

- Espírito. Nossa, moleque, você sempre chega assim, né? Ainda mais aqui, como diabos eu adivinharia que você viria... peraê... - ela olhava-o com algum espanto e sua mente demorava a perceber o que o guia espiritual pensava... e então o espanto se tornava confusão - Você está brincando, não? Ele não poderia... não tem como...

O menino sorria daquele jeito sempre esquisito, um sorriso torto, onde os olhos grandes demais davam-lhe um ar quase insano. A mão direita apontando para um carro que se aproximava ao longe. Angelique nada mais perguntava ou questionava. Sabia, tão bem quanto o menino à sua frente, quem vinha se aproximando, naquele banco de carona. - Ele deu um jeito... - Os dois falavam ao mesmo tempo, ele em um tom afirmativo, ela ainda naquele espanto. A guardiã agora sorria, imaginando tudo o que ocorrera até ali. Concentrava-se no Criador e sentia toda a euforia de uma decisão apressada mas resoluta, no dia anterior. "Lembrava" agora de todos os cúmplices que foram chamados a ajudar, entendia quem era a pessoa ao volante daquele carro que agora manobrava, estacionando. Olhava pela varanda e via a Mãe colocando um casaco para descer, apressada.

- Eu ainda não creio que ele... ela com certeza não imagina o que vai encontrar. Hahahahahahahahahahahaha! - Angelique mergulhava no ar, voando em piruetas de uma empolgação que espelhava a Dele, sentindo aquelas borboletas à barriga, vendo tudo de longe, enquanto ele saía do carro e tramava uma "armadilha", com sua cúmplice, indo se esconder atrás de um carro próximo - Uma rosa! Claro! Tem que haver uma rosa vermelha! - Era tomada por todo aquele sentimento, aquela ansiedade, até mesmo o medo da não-aceitação. Aproximava-se Dele e o abraçava por trás, dando-lhe forças para o sorriso não tremer, na emoção tão forte que viria a seguir... as asas o cobriam, mas ele ainda podia ver tudo, através delas...

Espírito observava de longe, do alto, todo o desenrolar daquele plano que fora inspiração sua. Por vezes trocando olhares com o Filho, que parecia saber q ele estava lá. Sorria um sorriso ambíguo, os olhos mais amenos, o jeito menos ameaçador. Sem Angelique, afinal, aquele impulso todo dependera dele... e tinha conseguido fazê-lo funcionar.

sábado, 27 de outubro de 2007

haikai V *em marcas de unha, na parede*

Por amor feito
no amor que deve ficar
não rancor virar.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

haikai IV *em um papel amassado, num canto*

Podres conexões
o preço do conforto
viver no iMundo.

Sacrifício *em sangue, sobre um altar de pedra*

O corpo nos braços Dele, deixando de ser da escrava. Uma vida, pulsante e quente, entregue às mãos de outrem... um ato de puro sacrifício, tornando-a uma oferenda ao Senhor. Ele sente sua pele e arrebate-a com toda a dor e o prazer que só ele sabe proporcionar. A união de corpos que começa quase como um ritual fúnebre.

Panos e roupas de um negro envolvente... a presença de um toque que acolhe o corpo inerte e entregue, sadicamente preparando-o para o sacrifício em nome Dele. Velas queimam à volta... incensos deslizam sobre a pele submissa, parecendo queimar, fazendo-a se sobressaltar como uma vítima que só percebe a realidade de sua escolha quando já está amarrada ao altar.

Por baixo da vendas, alguém chora a morte por vir. O Carrasco não pensa mais do que o necessário, não se comove... apenas a prepara. As velas se aproximando e derramando a cêra quente sobre a pele... o grito que ecoa nas paredes e volta para ela. As amarras são fortes demais... a morte a atingirá, certeira. As lágrimas saem, incontidas... sente o corpo do Carrasco se avolumando próximo e sabe que o sacrifício se inicia.

Toda a dor destes momentos, a aproximando mais do fim. Tanta... tão forte... pontadas agudas dos tapas e a batida forte do açoite. Seu Carrasco é sádico, ri de seu choro. De seu desespero. Seus lábios clamam por perdão, em súplicas incontidas. Tenta, de todas as maneiras, mudar aquela sentença com palavras e gritos de seu arrependimento. Com juras de eterna submissão e obediência.

Mas a sentença é desferida, em meio à intensidade da dor... o corpo já desejava essa morte, o fim de todo aquele sofrimento. Recebe seu momento final com prazer e geme, em satisfação profunda... as estocadas fazendo o corpo se contrair e tremer... a arma que lhe sacrifica deixando escorrer o que desde o primeiro momento já preenchia aquele corpo, em gotas que pontuam o altar... os últimos suspiros saindo em gritos incontidos... últimas súplicas e juras vãs. Sente-se morrer, várias vezes, os espasmos mais fortes, a cada pedaço de sua alma que tenta apagar-se... os nervos se anestesiando, aos poucos... o corpo que renuncia a vida e os gemidos cessando em últimos sussurros de quem tenta respirar uma última vez. Se entrega ao infinito de um nada, que parece cobrir-la. Sua mente inexiste, por alguns momentos... o corpo inerte...

Desperta ao sentir o peso, sobre si... e nota o Carrasco também morto... inerte... o corpo dele unido ao seu... dentro de si... fluidos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Guardiões *recém-escrito, em páginas de pergaminho*

Parava à frente de uma vitrine de loja e olhava-se pelo reflexo... não sabia o que fazia ali, mas pouco importava, realmente. Ela apenas se olhava, curiosamente, perguntando-se o quanto tinha mudado nesses sete anos fora. Gostava da roupa nova. Um tailleur branco, elegante, de corte que lhe caía bem aos ombros e à cintura. Tinha lá suas dúvidas quanto ao salto... achava que poderia ser mais fino, talvez, mas a altura estava bem certa. Caminhava pela Avenida Atlântica, mas não ao calçadão. Estava do outro lado da rua, onde aparecera após tanto tempo. Mas de lá encontrava um rapaz caminhando, ele sim, pela orla. Olhava-o. Estava acompanhado por alguém que falava descontraidamente... mas os olhos dele demonstravam que a descontração não era mútua. Trazia o olhar vago de quem tem algo entalado na garganta.

- Angelique?

Ela reconhecia aquela voz e voltava-se para o menino, Espírito, que surgira ao seu lado. Aqueles olhos sempre fixos, sempre grandes e abertos demais. O cabelo negro, bem curto, arrepiado... a pele pálida como a lua que despontava no céu escuro. As roupas em nada haviam mudado, e por um momento ela sentiu pena dele, por isso. A mesma camiseta branca, um tanto puída, a calça jeans escura e os tênis de corrida, já muito batidos. Olhava-se novamente à vitrine, de soslaio, e pensava no quão bem o seu novo tailleur parecia continuar em direção às asas, essas mais brancas que o tecido. Olhava novamente para o menino de lábios apertados e apenas sorria, deixando a mão esquerda ir tocar-lhe a única asa, negra, ao ombro esquerdo, como se querendo lembrar-se melhor dele.

- Ele te chamou de volta, também? Que bom... eu estava me perguntando se me sentiria solitária, sendo a única guardiã, por aqui. Mas imaginava que se ele havia pensado em mim, você não poderia estar longe.

Ela ria baixinho, enquanto começava a caminhar na direção do asfalto, prestes a atravessar a avenida, na direção de seu Criador. Mas Espírito segurou-lhe o pulso e ela sentiu aquele toque quente que ele sempre trazia, apesar da aparência fria. Parava, acompanhando o dedo da outra mão, que apontava para o outro lado.

- Ah... eles pararam... e pelo jeito nos olhos dela, já começou, não?

O menino fazia um menear afirmativo com a cabeça e agora olhava nos olhos de Angelique, que tinha entendido que não poderiam se aproximar. Por mais que tivessem sido chamados até ali – e os dois já sabiam o que ocorreria, o Criador não esperava que eles fossem em seu encalço. Especialmente quando ele estivesse falando com a menina. A guardiã olhava na direção dos dois, agora, e falava baixo com seu companheiro, em um tom bem menos descontraído.

- Tão sério... ele mudou um bocado, desde a última vez, não? Parece que endureceu... me pergunto o que o fez nos manter longe, todo esse tempo. E por que nos chamar justo agora. Porque ele teria relembrado de nós...

- Não tem a ver com ela... – o guia espiritual respondia, em sua voz quase nunca agradável – Ele estar aqui tem, mas nós não... ele quer que façamos algo por outra pessoa... alguém que não está aqui. Alguém longe... mas que o Criador quer que saiba o que está acontecendo aqui.

- Entendo... mas você vê os olhos dele, daqui? Parece tão frio... o q será que o afastou de nós? Fazem, o quê, sete anos? Ele com certeza mudou um bocado.

Espírito apenas respondia que sim, com a cabeça, olhando-a de lado e novamente para o outro lado da avenida. Estavam aqueles dois sentados em um banco de concreto, de costas para a areia da praia de Copacabana... a brisa da noite soprando por eles, enquanto o Criador apenas respondia algumas perguntas, olhando para as pedras portuguesas do calçadão, e a menina à sua frente não tirava os olhos dele, parecendo algumas horas esbravejar, outras abraçando o próprio corpo, o tempo todo olhando-o com um tom que misturava raiva e decepção.

Angelique levava a mão ao peito, enquanto a asa de Espírito parecia diminuir, ao fechar-se um pouco mais, atrás dele... os dois sabiam que ele não queria aquilo. O Criador sofria suas escolhas de uma forma que nenhum dos dois se via capaz de apaziguar. Os cabelos da guardiã, castanhos, longos e cacheados, caíam sobre a fronte enquanto se apoiava a um poste, preocupada... o menino apenas tocava-lhe a cintura e falava, áspero.

- Ele não sofre a dor dela... somente sua própria decepção. Ele vê quem tentou ser, esse tempo, e se arrepende de não ter feito isso antes... mas escute bem, guardiã. E ouvirá que a mente murmura um outro nome. Não nos quer perto, agora, porque prefere buscar forças em uma voz que lhe ecoa à mente. Em uma lembrança que eu e você ainda desconhecemos. Mas agora vamos... ele se levanta.

Ele tinha razão, claro... a mente que ambos podiam escutar murmurava um outro nome e se perdia em lembranças de algo novo... algo que Angelique enfim reconhecia como um sentimento do Criador que há muito pensara nela, pela primeira vez. Sorria, ao ver que nem tanto mudara, assim.

- Ele nos esqueceu todo esse tempo porque o coração não batia... e, assim, deixou de acreditar... – olhava para a menina sentada sobre o banco, que apenas o via se afastar, lentamente, em direção à avenida e aos dois guardiões – Ela não chora... que expressão é essa, que parece tão séria face a tudo isso?

- Ele jamais a viu chorar... e isso é uma das coisas q o estavam matando, por dentro.

- Bem... eu já tenho o nome de quem ele quer que eu guarde... está chamando por ele até mais forte, agora. Melhor eu pegar carona nisso. – Angelique ria, lembrando do quão bom sempre fôra voar nos pensamentos do Criador – Você cuida dele... e diga que eu decidi não perder tempo. – abria as asas, envolvida na empolgação de existir, uma vez mais – Ah, agradeça pela roupa... e veja se pede algo melhor pra vc, Espírito. – ria, sumindo em meio ao céu noturno, rumando na direção que iam aqueles pensamentos...

O menino apenas respirou fundo, pensando em tudo o que “lembrava” agora... voltando a existir, voltava a saber tudo que se passava na mente do criador... mas precisaria de tempo, antes de se tornar novamente um guia. Havia muito a entender, de sete anos que se passaram. Mas do pouco que já compreendia, ganhava a certeza de que precisava estar ali, realmente. O Criador descobrira-se uma vez mais preso e fascinado pelas volúveis ondas do perpétuo Destino.

- Boa noite, guia........ ela já se foi? – o Criador aproximava-se, observando as estrelas – Espero q esteja forte como sempre... tem duas almas a guardar, dessa vez. – suspirava – Vamos... eu preciso caminhar um bom tempo, antes de encontrar qualquer pessoa que tenha algo a dizer sobre essa noite... vamos pra casa a pé...

Espírito suspirou, querendo poder dizer que não entendia bem os humanos... mas não era o caso... o problema sempre foi entender bem demais.

sábado, 13 de outubro de 2007

haikai III *talhado à pedra, em golpes de machado*

Alívio do leão
o espinho retirado
da pata direita.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

haikai II *em manchas de pintura de guerra*

Se ali nada havia
só uma imagem da perda
que alma sobrevivia?

Sonhos de Agora *sussurrado pelo Troll, à luz da fogueira*

Era um lugar estranhamente familiar, mas sob uma luz surreal. O céu não se deixava definir entre uma tarde cinzenta, um meio-dia ensolarado e uma manhã de azul límpido... mas ele, o Sonhador, estava ali e tudo sentia e tocava. A grama sob seus pés tinha aquele cheio de recém-cortada e a o pequeno muro de madeira à sua esquerda gritava por uma mão de tinta. Ali estava, como se ali tivesse surgido do nada, a mente enturvecida em meio às teias de algum sono profundo que, agora entendia, levara-o àquele local.

Sobre aquela grama também havia o Menino, sem rosto, agachado sobre ela, brincando de cutucar a terra com um graveto sujo. Um cão, do outro lado da mureta quase podre, ladrava cada vez mais alto, mais forte, incessante. O Menino não se movia. O Sonhador, que ainda perguntava-se o quanto participava daquele sonho, sabia apenas que estava ali. Ao fundo, bem baixo, uma voz entoava palavras que ele conhecia, do prólogo de uma canção: “Nun liebe Kinder gebt fein acht”, e isso trazia-lhe o princípio de um sorriso, aos lábios. “Ich bin die Stimme aus dem Kissen / ich hab euch etwas mitgebracht / hab es aus meiner Brust gerissen”.

O cão gania. A cabeça do animal, ensangüentada, decepada, dilacerada do corpo, vinha arremessada por cima do muro baixo de madeira... a criança punha-se a correr, sem dar um grito. Apenas corria, fugia daquela mureta, daquela cabeça q ainda espirrava sangue sobre a grama. O Sonhador, atônito, nada achava poder fazer exceto imitar o infante. A música não começava, ouvia-se apenas o prólogo se repetindo. “Nun, liebe Kinder...”. Um baque surdo, um golpe à nuca... sentia a grama tocar-lhe o rosto... e fechava os olhos.

No abrir dos olhos, o lugar era o mesmo, o Menino era o mesmo, os latidos iguais... a cabeça do cão. A fuga... o baque, a queda... o acordar. Ele não sabia dizer por quantas vezes já tentara fugir, antes de decidir olhar para si mesmo. As mãos... observava-as por um longo tempo, enquanto o animal teimoso ainda podia ladrar. E só então percebia o que era... e que não poderia fugir dali. Estava ele onde deveria. Via o sangue e a criança começar a correr. Mas dessa vez, o Sonhador apenas dava alguns passos à frente, decidindo colocar-se entre o jovem e a cerca velha.

Um ser, uma jovem – de talvez 16 anos, de pele um pouco enegrecida, manchada, saltava aquela mureta e ignorava o Sonhador, para perseguir o infante, mas ele lhe agarrava o pescoço, por trás. Os olhos eram enormes, os cabelos eram longos, escuros, lisos... as mãos terminavam em ossos pontiagudos, negros. A cabeça girava sobre o pescoço e aqueles imensos olhos fitavam seu captor, os lábios abrindo-se com um som que mais lembrava o rasgar de muitas folhas de papel... aquela imensa boca, que estendia-se de uma orelha à outra do demônio, abrindo-se cheia de dentes pontiagudos, desordenados. De um susto, as mãos soltavam-no e a voz do ser vil parecia rasgar e estraçalhar mais tantas folhas.

“Eu vou pegar quem você ama e arrancar-lhe a boca”

O sangue começava a ferver, enquanto a criatura se afastava, correndo. Olhara-o com aqueles olhos frios, por algum tempo, após sua única frase. E o Sonhador punha-se a correr, também. Agora na direção do demônio. Buscava-o, sentindo aquela fúria que movia suas pernas adiante, rapidamente. Não deixaria jamais que aquela ameaça se concretizasse. Pensava em todos aqueles que amava. Pensava nela... não, ele jamais poderia fazê-lo! “Não vou deixar!” Corria, sentindo a respiração intensa, as narinas dilatando-se em busca de mais ar. Por várias vezes, quase alcançou o demônio, mas ele saltava para longe daquelas mãos, agora resolutas. Não o soltaria mais. Não devia tê-lo soltado.

Encurralava o animal traiçoeiro, aquele rosto vil fitando-o... o confronto era inevitável e o Sonhador sabia que não poderia continuar a perseguição, por muito tempo. Mas o ser não parecia sequer cansado. Os dois praticamente dançavam, cercados por muros altos, ele não sabia dizer de onde. O sonho tornara-se somente eles dois, só aquela missão na qual ele não poderia falhar. Sabia que precisava atraí-lo até si e socou o ar, enquanto a criatura desviava-se, vindo morder-lhe o pulso. Engolia o punho direito, inteiro, os dentes cravando, rasgando carne, músculos e ossos... o guerreiro sequer gritava. Já decidira dar a mão em troca daquela captura e por isso não importava se ainda a tivesse. Importava a outra.

Os dedos ao redor do pescoço da criatura, que parecia satisfeita com o sangue que escorria-lhe dos imensos lábios... o Sonhador apertava, com toda força... a mão manchada do próprio sangue, o corpo tremendo da corrida e do esforço. O ser se debatia, mas seus olhos pareciam entender o próprio fim. Rasgava as roupas e a pele do agressor, com aquelas unhas negras, em um último esforço de livrar-se. Então pendia inerte, da mão do Sonhador, que recusava-se a soltar-lhe o pescoço. Apertava com toda força, os olhos vertendo lágrimas, ainda enfurecido pela ameaça daquele ser. Não deixaria nada ameaçá-la... não perdoaria quem o fizesse. A mão decepada de pouco importava.

--------------------------------------------

O Troll fitava os olhares espectadores enquanto deixava-se respirar mais fundo o ar quente da fogueira. Esquecendo aqueles momentos, levantando-se do chão com um estrondo, ao apoiar-se à mão direita, de pedra, para voltar a caminhar pra dentro da caverna.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

haikai I *runas em riscos de carvão*

Na sua certeza
a maior das derrotas
jaz tu, o idiota.

Sonhos de Outrora *sangue às paredes*

Ele avançava... apesar de todos os ferimentos, avançava resoluto. A seta ainda cravada no ombro esquerdo, da qual apenas quebrara a haste para não deixar-se sangrar demais, se a arrancassem de sua carne. Não sabia mais dizer o quanto do que sentia escorrer pela armadura lanhada e sobre a pele era suor, seu sangue ou o sangue daqueles seres vis. Mas começara a correr e, pelos instantes que se seguiram, seus músculos esqueceram toda a dor. A espada, apesar da habilidade e força dos artesões que a tinham forjado, jamais deveria ter suportado tanto. Ainda brilhava, com uma resiliência que refletia a dos olhos do guerreiro furioso... a ponta do aço, já com algumas ranhuras, ameaçava ir rachando-se a cada novo golpe.

Ele urrava, espantando a dor. As muralhas daquele pátio ensangüentado ecoando sua voz, dando-lhe impulso para cada novo golpe. Tudo parecia reverberar, da armadura às pedras que formavam o chão... desafiava cada novo inimigo com o olhar feroz, mas aqueles jamais recuariam em medo. Não conheciam aquele sentimento na pele, pois era dele que alimentavam-se. O corpo cansado que avançava em meio a eles, já tendo abandonado pedaços da armadura antes mesmo de alcançar os portões. Aquele homem arfava, sentindo a morte tão de perto, mas não nutria aqueles seres por um segundo sequer. Seus olhos não traziam medo, apenas aquela fúria, alimentada por um amor que tais demônios desconheciam. Nem seus Mestres lembravam-se de tê-lo visto, até aquele momento... não sabiam quem era aquele que cruzara o pátio deixando atrás de si um rastro de seus serviçais e das flechas que ainda resvalavam no que restava de sua armadura e escudo. Do alto da torre, após tanto tempo, aqueles olhos cruéis temeram o brilho de uma lâmina.

O estrondo do grande portal interno de madeira abrindo-se e estilhaçando contra as paredes, como se um imenso aríete abrisse caminho para aquele olhar resoluto. Uma multidão daqueles serviçais sombrios, de dedos afiados como navalhas, jogando-se sobre ele, rasgando-lhe a pele, carne e músculos. O homem gritava, caindo de joelhos em meio ao imenso salão, enquanto a lâmina atravessava dois daqueles seres, pelo pescoço do primeiro e até o peito do segundo... seus risos parecendo feri-lo quase tanto quanto as garras. As narinas incendiadas, em uma febre causada pela dor e fúria.

- NÃÃÃO!!!!!!! NÃO DEIXAREI ESTE LUGAR... SEM ELA!!!!!!

Urrava alto, fazendo todos aqueles seres hesitarem por tempo o suficiente para colocar-se de pé e girar a lâmina ao redor, indo de encontro a eles. Girava o corpo, jogando longe o escudo e agora segurando a grande lâmina com as duas mãos. A ponta já quebrada, em uma investida mais violenta a um daqueles crânios... mas a espada resistia. Não o deixaria, em sua missão. Ela já era parte dele, daquele amor intenso que o movia e não deixava o corpo sentir demais aqueles golpes... por todo o imenso castelo, sua dor e sua fúria ecoavam... mesmo até os profundos calabouços... um soluçar baixo era interrompido por aquela voz distante, tão estranhamente familiar.

- NÃO POSSO!!!!!! NÃO FALHAREI!!!!!!

Os corredores manchando-se daquele sangue... do suor. Das lágrimas daquele homem, que deixava a dor tornar-se parte de cada golpe. Como fôra estúpido, em demorar a entender aqueles sonhos... aquela busca que teria de fazer... que percebera tarde demais. Agora ela sofria, ele sequer sabia desde quanto tempo. Sofria, nas entranhas daquela fortaleza. Ele transpunha cada corredor, cada salão com dificuldade. As escadarias punindo suas pernas feridas e cansadas. De um tropeço, rolara por boa parte dos últimos degraus, sem saber onde sua espada fôra parar, em meio à escuridão. Seu olhos ali, tentando acostumar-se à pouca luz. As mãos tateando o chão ensangüentado... era o seu sangue. Agora sim, sentia a dor. Nada ouvia, o corredor estava vazio. E os passos se tornaram tão pesados quanto aquele ar... cambaleava, de encontro às paredes, rumo a uma porta escura. Manchando a pedra com o sangue quente... sentindo o corpo esfriar. As lágrimas correndo de dor e, agora sim, medo.

Do outro lado da porta, aqueles homens esguios, encapuzados, senhores daquele castelo, soltavam os grilhões que prendiam-na. O corpo dela, maltratado, dolorido, fraco, tombando ao chão. Diziam-lhe que sofreria até a morte, que aquela voz furiosa já fôra contida... que ninguém mais viria. Condenavam-na à solidão e murmuravam mantras de uma tristeza vil, sádica. A menina chorava, entregando-se àquelas ameaças... sentindo tudo escurecer. A solidão tomando seus olhos, sua mente, seus temores... ela voltava a soluçar... perdia-se em meio àquelas palavras e levava as mãos a cabeça. Um gesto de misericórdia... um dos Mestres jogava-lhe ao chão uma adaga de lâmina negra e o calabouço ficava novamente vazio. Todos desapareciam em meio à escuridão. Ela estava realmente só... mesmo a respiração que vinha, arfada, do outro lado daquela porta parecia não alcançar a bela dama élfica. Perdida ali, entre pesadelos, tomou a adaga nas mãos... prostrando-se de joelhos, de costas para a porta.

- Eu estou condenada à solidão... a não encontrá-lo... eu...

A ponta da adaga encostada contra os trapos que lhe faziam vestimenta... à altura do peito. Suava, mas a respiração era calma. A decisão não lhe trazia dúvida palpável, ainda que parte dela duvidasse das próprias palavras. Respirava fundo, repetindo para si os mantras vis que aquelas sombras lhe disseram... a voz cada vez mais firme, na certeza do que repetia. Não ouviu a porta abrindo-se com um estrondo, atrás de si... o homem novamente com o olhar resoluto. Enfrentara as sombras daquele último corredor escuro, forçando o corpo a ignorar cada corte que pulsava e a cabeça latejando. Viu-a ali, prostrada. Sim, era ela. A mulher de seus sonhos, de tantas outras vidas suas. Uma nobre elfa, uma fada Sidhe. Os cabelos escorrendo pelos ombros, enquanto os braços fechavam-se, trazendo a adaga contra o peito. Ela buscava aquela última dor, que a livraria de tudo o mais. Sentiu a ponta da adaga ferindo a pele, um fio de sangue correndo-lhe a pele, escorrendo.

Mas a lâmina negra não chegou a perfurá-la mais do que isso. Sentia sobre si o peso daquele corpo enorme. Aquelas mãos imensas segurando seus pulsos, por trás. A pele azulada... os dedos melados de sangue e suor, mas ainda assim conseguindo segurá-la ali... ela soltava a adaga, ao sentir lágrimas quentes tocarem seu ombro. O imenso Troll ainda temendo soltar-lhe os pulsos. Vendo aquela lâmina cruel no chão, começando a desfazer-se. As lágrimas da elfa misturando-se às dele, no chão de pedras frias... ficara ali, naquele castelo, em um canto esquecido do Sonho, desde que ele se fôra, há séculos, morto pelas mãos daqueles mesmos Mestres que agora haviam deixado o lugar, temendo tamanha força. Ele não era o mesmo Troll... voltara em um novo corpo mortal. Mas ela sabia. Soube no momento que sentiu suas mãos impedindo-a daquele último ato. Até o calor era o mesmo... deixava-se abraçar por aquele ser imenso, que tremia de dor e angústia, mas chorava de felicidade incontida... de uma admiração profunda à sua bela dama Sidhe. Daquele amor que levara-o até ali em fúria e agora prostrava-o em servidão.

Boas vindas

O leitor adentra o canto do Troll escritor. Uma caverna, talvez, mas sem a podridão dos restos de carne que deixara de ser consumida, dias atrás. Não aqui. Aqui, os escritos estão à parede, hora em sangue, hora em carvão. O Troll que vos fala não apreendeu a maestria delicada de trovas e canções. Desconhece o toque suave do alaúde a ajudar a narração. Dispensa os floreios, exceto quando por qualquer motivo a alma se inspira e vai além. Mas peço, assim, que perdoe-me o leitor pelas palavras por vezes rudes... pelo sangue seco às paredes, de batalhas que ainda vão sendo vividas, caverna adentro.

Entre aquele que desejar conhecer melhor o Troll. A alma do ser por vezes torturado, por tantas outras torturador. Aqui não haverão somente contos, muito menos reservarei espaço exclusivo à acidez de palavras duras. Mas o Troll batalhou em muitas coisas, viveu tantas outras e tem, de tudo, um pouco a contar. Acorda hoje, como se de um longo sono. Pois sua alma desejara ser muitas outras coisas, no passado. Mas não este ser que aqui vos fala, leitor. Deixa-te viajar, perder-te talvez em alguns desses sonhos. E só peço que deixe os olhos nus, aqui dentro.

Ficarei feliz em ouvir palavras ecoarem entre essas paredes, em resposta aos escritos. Só maneira teu linguajar, ou o Troll em nada será gentil com tua voz. Calar-te-á sem qualquer piedade.

Dedico, portanto, estas paredes, àquelas pessoas que viram-me despertar Troll. São poucas, diferentes, distantes... mas muito importantes para os riscos aqui manchados pela pedra. Boa sorte. Dormir sob este teto pedregoso é sonhar diferente.

Assim disse a imensa sombra azul, antes de mergulhar rumo às sombras.